Reunir seus melhores trabalhos em uma apresentação legal que faça o entrevistador te contratar para aquela vaga dos sonhos – parece fácil de resolver, mas sabemos que não é.
Pensando nisso, resolvemos entrevistar três grandes profissionais da área: Saulo Mileti, Morandini (Morandini) e Sebastiany (Sebastiany Branding) e, eles reponderam perguntas que todos gostaríamos de saber.
Saulo Mileti
Na verdade tudo é válido. Seja comercial, pessoal ou fantasma, o que interessa não é se foi para a rua, mas se a ideia é boa. No entanto a maior parte das pastas busca mostrar apenas técnica. E se o portfolio for para uma vaga de ilustrador, manipulador ou arte finalista, isso faz todo o sentido. Mas para direção de arte ou designer? Não.
Isso não significa que esse profissional pode ser relapso tecnicamente, mas sim que a ideia é a coisa mais importante no trabalho dele. E se ela for ruim, nem o layout mais belo do planeta salvará a peça. Se você não tem bagagem, crie peças fantasmas desafiadoras – não anúncios patéticos de iPhone. Se você só tem trabalhos pessoais, tente deixar de lado o amor que sente por eles e questione se são relevantes esteticamente e comercialmente para sobreviverem ao olhar no contratante.
E se você tem trabalhos comerciais, mas prefere a sua versão (antes das alterações e podadas do cliente), toca pau. Como disse anteriormente: não interessa se foi pra rua; o que queremos ver é se a ideia é boa ou não.
Portfolios longos são cansativos. Lembre-se: quanto mais tempo você tomar na hora da apresentação, maior a chance do entrevistador ser interrompido pelos problemas acontecendo na agência. Isso tirará o foco dele e diminuirá suas chances. Então, siga essas três regras:
a) Não minta. Esse é um mercado pequeno, onde todos se conhecem. Se você tem pouca experiência, fale – e deixe claro que quer aquela oportunidade para começar a sua carreira e surpreender.
b) Seja sintético. Não vá com discurso ensaiado. Não recite poemas e contos maravilhosos sobre a sua história de vida. Um bom criativo precisa ser objetivo. Seja um “Twitter” ambulante: bons insights cabem em 140 caracteres.
c) Dê ritmo ao seu portfolio. É como um filme: se você colocar as melhores cenas no começo, o resto do filme fica cansativo. Portanto, se você tiver um portfolio de 10 peças, crie uma dinâmica. Não deixe a pasta esfriar muito cedo ou demorar demais pra esquentar. É como jogar peteca.
Existem trabalhos ruins, posturas ruins e clichês ruins.
Os trabalhos ruins são os não factíveis: coisas que jamais aconteceriam no mundo real. Anúncio duplo com 1 nano-frase em Helvetica Bold 8px e o logo da empresa com 3 milímetros de largura. Pode até ser bonito esteticamente, mas só funciona no mundo dos portfolios. E se é utópico (sem a menor chance de acontecer no mercado), é irrelevante.
As posturas ruins são as que ultrapassam os limites profissionais. Vejo muito portfolio com frases como “Deus é fiel”, “Tudo posso Naquele que me fortalece” e coisas do tipo. Respeito sua religião e acho que você deve buscar a felicidade nela se é algo que te faz bem. No entanto isso não interessa no âmbito profissional. Negócios são negócios. O que eu quero saber é se você é inteligente, criativo, capaz e pode agregar talento para empresa. Esqueça qualquer coisa além disso.
Os clichês são a pior parte. Oito em cada dez portfolios que eu recebo tem um logo composto com as duas ou três iniciais do nome do candidato. Por exemplo: o sujeito se chama José da Silva e cria um logo “JS” no cabeçalho do resumé / portfolio. Muita gente acha que clichê é algo ruim: não é. Uma coisa se torna clichê por ser tão boa, que todo mundo faz – até se tornar cansativo. O problema dele, no campo profissional, é que é uma espécie de contra-ideia. É a zona de conforto. É a escapatória para não se esforçar e ter uma sacada inteligente. Portanto, corra disso.
Morandini
Isso depende muito do tempo que o profissional tem de mercado e da consistência de sua carreira. Num cenário ideal, onde já há um bom caminho percorrido, o portfolio deveria mostrar apenas trabalhos comerciais. Nada contra os trabalhos pessoais ou ‘fantasmas’, mas os trabalhos produzidos para o ‘mundo real’ carregam a história de todo o processo pelo qual o profissional passou para chegar lá: briefing, prazos, dificuldades, interferências e respostas para os problemas apresentados. Essas condições e o resultado final dificilmente seriam alcançados num trabalho pessoal, onde as condições são mais brandas e controladas. Um portfolio com peças comerciais permite uma avaliação muito mais acurada e precisa do potencial de um profissional criativo.
Penso que um portfolio é algo dinâmico e vivo. Ele deve crescer e evoluir de acordo com crescimento, a evolução e os direcionamentos que o profissional obtiver ao longo da vida. Num primeiro momento, quando ainda não há trabalhos relevantes realizados, é recomendável a inserção de peças acadêmicas, desde que tenham algo para contar. Ainda é possível inserir trabalhos filantrópicos ou mesmo pessoais, deixando sempre essas condições muito claras.
Independentemente do teor, os trabalhos e a apresentação devem ser sempre muito claros e primarem pela qualidade de execução e originalidade. Uma peça acadêmica não deve ser sinônimo de improvisação, uso indevido de imagem de terceiros ou desleixo. Se apresentar algum desses pontos, é porque não deve ir para o portfolio.
Para um iniciante, melhor ter poucas peças que impressionem pela excelência do que tentar impressionar pela quantidade de trabalhos.
Nenhuma loja coloca na vitrine aquilo que não quer vender. Nosso portfolio é nossa vitrine. Como tal, deve traduzir exatamente aquilo que temos na ‘loja’.
Para obter êxito nessa questão, é necessário abrir mão do emocional e dar vazão ao racional. De nada adianta colocar aquela capa de livro que adoramos fazer se atuar na área editorial não faz parte dos nossos planos. É preciso que pensemos na nossa vitrine como uma ferramenta de comunicação, divulgação e promoção. Ele precisa estar em perfeita sintonia com os trabalhos e clientes que almejamos conquistar.
Trabalhos que sofreram muitas interferências externas e acabaram por se distanciar do briefing devem ser evitados pois não representam a produção de determinado profissional em sua essência.
Por fim, um comentário de caráter absolutamente pessoal: depois de 30 anos de carreira, meu trabalho foi assumindo um perfil cada vez mais autoral. Inconscientemente, minha produção passou a ter uma cara muito própria. Para evitar algum tipo de ‘ruído’ na leitura do meu portfolio, gradativamente fui excluindo as peças mais tradicionais e antigas, que já não representavam o caráter dos meus projetos. Isso evitou causar uma certa incoerência na minha ‘loja’, não permitindo que a vitrine mostrasse um produto e as prateleiras estivessem abarrotadas de mercadorias diferentes.
Guilherme Sebastiany
Não vejo problema o portfólio mesclar cases reais, trabalhos de faculdade, e cases fantasmas, desde que fique sempre claro quando é cada caso. Independente disto, o que para mim é mais importante é ver o processo de como o trabalho foi feito. Ver os estudos e o processo ajuda a entender não apenas a capacidade do resultado, mas sim como o profissional ou estudante trabalha, pensa e lida com metodologia.
Coloque o que tiver de melhor. Não inclua trabalhos que você mesmo considera abaixo da média apenas para fazer volume. E lembre-se de sempre atualizar o portfólio, pois o desenvolvimento profissional nos primeiros anos é muito acelerado. No seu portfólio, o seu melhor trabalho hoje pode ser o seu pior em um ano ou dois.
Sempre existem. Geralmente é um projeto significativamente abaixo da média dos demais. Mas o que queima mais o filme é no caso de trabalhos profissionais, não dar crédito aos demais colegas que fizeram o trabalho junto e nem ao escritório onde foi feito. E no caso de projetos acadêmicos, não colocar nem o nome dos demais integrantes do grupo e nem do professor orientador. Sempre inclua o nome do orientador, afinal, ele é tão responsável pelo resultado final quanto você, e deve ser valorizado!
Esse texto pertence a série “Revividos”. São posts que foram realizados no antigo blog cmyk ativo e, por algum motivo possuem importância para estarem presentes aqui.